terça-feira, 19 de outubro de 2010

Igrejas: o perigo empresarial - uma reflexão

A valorização das pessoas dentro das organizações nasceu, dentre outras, da necessidade de se corrigir a tendência da desumanização do trabalho surgida com a aplicação de métodos rígidos e rigorosos, científicos e precisos, aos quais os trabalhadores deveriam se submeter, cuja eficiência era medida unicamente por meio da produção, e a motivação era exclusivamente financeira.

As organizações dependem das pessoas para dirigi-las, organizá-las, controlá-las, fazê-las funcionar e alcançar seus objetivos com sucesso econtinuidade. Não há organizações sem pessoas. Surge um grande conflito: conciliar os interesses das organizações e os interesses individuais, pois as empresas inseridas numa civilização industrializada, que para sua sobrevivência financeira necessitam da eficiência das pessoas para alcançar lucros, usam métodos que convergem para a eficiência e não para a cooperação humana.

Valorizando o ser humano dentro das organizações, houve um deslocamento da visão das pessoas vistas simplesmente como recursos - dotadas de habilidades, capacidade, destreza e conhecimentos para a execução de tarefas – para alcançar objetivos organizacionais, para uma visão de pessoas vistas como pessoas, dotadas de características próprias de personalidade, aspirações, valores, crenças, atitudes, motivações e objetivos individuais.

A grande importância para as organizações se constitui no capital humano que ela possui, pois o capital humano é a fonte de criação e de inovação. As pessoas são um ativo intangível das empresas. As máquinas trabalham, mas não inventam. O dinheiro é poder, mas não pensa. Na era da informação o conhecimento é o recurso organizacional mais importante das organizações, uma riqueza maior e mais importante que dinheiro. Assim, desfez-se o paradigma capitalista para uma organização mais humanizada.

E o que falar da Igreja como organização? No universo cristão, parece que estamos assistindo a inversão desse cenário. Vivemos e uma época quando muitas igrejas se assemelham a corporações multinacionais, e o plano de Deus para sua igreja parece muito simples para ser seguido, precisando ser acrescido de ideias e valores neoliberais, que como aponta o início dessa reflexão, já foi a muito ultrapassado no âmbito da psicologia organizacional.

Em Lucas, capítulo 10, Jesus envia 72 discípulos adiante dele com uma simples tarefa: anunciar que o Reino estava próximo. Sua visão já era a de valorizar a pessoa do trabalhador e não os resultados que esse traria. Em suas ordens, não existiam planos motivacionais ou metas a serem seguidas. Apenas simples e claras orientações: irem de dois em dois; despojarem-se de suas posses e apregoarem a mensagem.

Como líder, Jesus conhecia a importância do trabalho em grupo, daí a necessidade de andarem em pares, ou talvez por conhecer o coração humano e criar condições para que ele fosse resguardado da ambição narcisista de que os resultados seriam méritos de suas próprias habilidades. Talvez essa também fosse a preocupação de Jesus ao orientar seus discípulos a não levarem nenhum de seus pertences. Não era aquilo que eles tinham que os faria obter maiores ou melhores resultados na execução da tarefa dada por Jesus.

Hoje temos assistido a grande valorização do currículo secular para os que desejam fazer a obra de Deus. A formação cristã e a educação teológica são desprezadas e comparadas às graduações, especializações e aos mestrados e doutorados em diferentes áreas do conhecimento.

Existe um certo desprezo àqueles que, sem esse tipo de formação, se dispõem a cumprir a obra de Deus nas organizações Igrejas, sendo tachados de “amadores”. Interessante é lembrar que esta foi a mesma crítica dirigida a Jesus, filho de um simples carpinteiro da Galiléia (Por ventura vem algo bom de Nazaré?) e de seus fiéis seguidores: pescadores, publicanos, homens e mulheres comuns, como eu e você.

A última recomendação no texto foi referente ao objetivo, ou à “meta” como pretendem alguns líderes evangélicos atuais: anunciar que o Reino estava próximo. Essa tarefa era tão simples, que até mesmos os discípulos não lhe deram a devida valorização. Ao voltarem contaram encantados o fato de que até os demônios haviam se submetidos a eles.

Jesus porém os traz à razão, lembrando-os que eles deviam se alegrar por terem seus nomes escritos nos céus. Numa simples interpretação, poderíamos dizer que Jesus preocupava-se mais uma vez com o que eles eram, do que com o que faziam ou produziam. O trabalho seria realizado por Jesus, quando chegasse a hora, o deles fora simplesmente anunciar.

Infelizmente este é o cenário que assistimos em nossos dias: não basta cumprir a ordem de Jesus. Parece que para alguns de nossos líderes esta seja ordem simples ou amadora demais, e a ela acrescenta-se metas e números a serem alcançados. Talvez os que isso fazem estejam esquecidos de que nossa tarefa é apenas ir adiante de Jesus e anunciar a chegada de Seu Reino; o restante Ele mesmo é quem irá fazer!

“E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar".

Roseli Kiselar Aguilera
Psicóloga

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